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Tag: norma jurídica

Interpretação x Integração da norma jurídica

Alguns assuntos do Direito são ministrados no primeiro e segundo semestre, mas somente vamos ter consciência da importância deles quando já estamos no final do curso ou após a formatura. A interpretação da norma e a integração da norma é uma desses temas.

Isso porque, quando se trata de análise e aplicação da norma jurídica não basta a simples subsunção, não basta a simples leitura do artigo e aplicação direta ao caso concreto, pois se assim fosse poderíamos dispensar a figura de uma pessoa especializada, que estudou durante cinco anos na faculdade, que fez especializações, mestrado, doutorado e outros diversos cursos de aperfeiçoamento. A adequação da norma ao caso concreto demanda uma análise profunda do caso e o conhecimento do ordenamento jurídico como um todo.

Um outro problema é a ausência de normas para regular o caso. Nem todas as situações, nem todos os conflitos, há norma regulatória. Muitas situações novas surgem todos os dias, em função da tecnologia, em função de novos contratos, em função de novas relações que as pessoas tratam e que o Juiz não pode se eximir de julgar, o non liquet não é admitido no ordenamento brasileiro.

Esses dois problemas são solucionados com a interpretação da norma e com a integração da norma.

A interpretação da norma ou Hermenêutica Jurídica

Interpretar é o ato de dá sentido a uma frase ou a uma norma, no caso da interpretação jurídica. A interpretação, segundo Eros Roberto Grau (2005, p. 21), “é constumeiramente apresentada ou descrita como atividade de mera compreensão do significado das normas”. Ocorre que, ainda segundo o mesmo autor (2005, p. 22)

“O intérprete procede à interpretação dos textos normativos e, concomitantemente, dos fatos, de sorte que o modo sob o qual os acontecimentos que compõem o caso se apresentam vai também pesar de maneira determinante na produção da(s) norma(s) aplicáveis ao caso.”

Ou seja, o ato de interpreta não é simplesmente pegar um artigo da lei ou de outra norma jurídica e o aplica sobre o caso, pois esse caso tem vários contornos e várias singularidades que vão fazer com que o ato de interpretar produza em si mesmo uma nova norma, aplicável àquele caso específico e concreto. Neste sentido Tércio Sampaio Ferraz Junior (2008, p. 221) destaca que a interpretação jurídica busca

“[…] alcançar um sentido válido não meramente para o texto normativo, mas para a comunicação normativa, que manifesta uma relação de autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem normativa, dentro da comunicação, como um dever ser vinculante para o agir humano.”

A interpretação da norma é assim um ato de criar uma nova norma jurídica, partindo das normas postas no ordenamento, mas aplicável ao caso concreto, diante do caso sub judice. Como ressalta Eros Roberto Grau (2005, p. 34)

“Interpretar é, assim, dar concepção (=concretizar) ao direito. Nesse sentido, a interpretação (=interpretação/aplicação) opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos ainda: opera a sua inserção na vida.”

Como é possível então concluir que interpretar demanda conhecimento sobre a norma em si mesma, sobre o ordenamento jurídico e sobre o caso que está solucionando com aquela norma. Por óbvio, casos existem casos mais consolidados e outros novos que demandam maior atenção, sendo necessário a aplicação da regra da integração.

A integração da norma

A integração da norma é utilizada quando não há norma que trate sobre o tema. Tércio Sampaio Ferraz Junior (2008, p. 275) ressalta que o problema a integração está relacionado diretamente com a questão da lacuna da lei e a possibilidade de o julgador ir além da “ration legis, configurando novas hipóteses normativas quando se admite a possibilidade de que o ordenamento vigente não as prevê, ou até mesmo de que as prevê, mas de modo julgado insatisfatório”.

O artigo 4º da LICC, tratando da lacuna da norma prevê que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. E o artigo 5º complementa ao dispor que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

A questão da lacuna da lei também tem previsão no CPC, no artigo 140, ao determinar que “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Ou seja, o non liquet não é uma opção, principalmente porque, situações novas surgem todos os dias e o legislador não pode prever todas as situações de conflito que podem existir; da mesma forma que as pessoas em conflito não podem esperar que o legislador faça uma lei para solucionar o seu caso.

A relação entre interpretação e integração da norma

Tanto a interpretação quanto a integração buscam uma solução mais adequada ao processo, ao conflito concreto e instalado entre as partes, sendo que na interpretação há uma norma genérica sobre o caso e, partindo dessa, o julgado estabelece qual a melhor forma dela solucionar o problema. Já na integração da norma, não há norma, há uma lacuna e, diante dessa lacuna, o julgado usa-se de técnicas próprias para solucionar o conflito, criando uma norma específica para aquele caso.

Não deixe de ler:

Validade, a Vigência e a Eficácia da Norma Jurídica

Teoria do Diálogo das Fontes: uma nova forma de solucionar as antinomias jurídicas

Referências:

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 6. ed., São Paulo: Atlas, 2008.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Sobre a Autora:

Nadialice Francischini de Souza.

Advogada. Docente. Doutora em Direito pela UFBA, na linha de Relações Sociais e Novos Direitos, estudando a Governança Corporativa e o Direito de Propriedade.

Validade, a Vigência e a Eficácia da Norma Jurídica

Estudo sobre a validade, vigência e eficácia da Norma Jurídica – análise doutrinária

As normas jurídicas são estudadas segundo a validade, a vigência e a eficácia. A validade tem relação com o ingresso da norma no ordenamento jurídico, ou seja, uma norma será válida quando não contradizer norma superior e tenha ingressado no ordenamento atendendo ao processo legislativo pré-estipulado[1]. Assim, para Hans Kelsen, a validade da norma está relacionada com o fato de haver uma norma que prescreva se uma conduta “deve ou não deve ser, deve ou não ser feita”.[2]

Em crítica a essa posição de Kelsen, Tércio Sampaio Ferraz Júnior afirma que a explicação Kelseniana da validade sugere que “a norma é um signo, meio para outro signo, e a relação signo/signo, norma/norma, é uma relação de validade”, havendo um excesso de formalismo, e reduzindo a validade “a uma categoria formal do pensamento”, o que denomina de validade condicional[3]. Esta assim, se justificaria na relação meio/fim, exigindo “uma técnica retrospectiva, isto é, para saber se uma norma vale condicionalmente, deve-ser remontar à sua norma imunzante e à norma imunizante desta, até chegar à primeira norma ou norma origem”[4].

Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior a validade não deve ser condicionante, mas sim finalística, ou seja, é preciso “saber se uma norma vale, finalisticamente, é preciso verificar se os fins foram atingidos conforme os meios prescritos”, reconhecendo a relação íntima entre direito e moral[5].

Assim, a validade da norma pode ser estudada sob dois enfoques: primeiramente, analisando a norma com relação a forma de ingresso no ordenamento jurídico e em relação a sua relação com a moral, mantendo o direito sempre associado a este.

Resumindo os dois pensamentos, Robert Alexy afirma que uma norma será válida quando atenda os critérios pré-estabelecidos de validade, ou seja, “se a norma N satisfaz os critérios K¹, …, Kn, então, N é válida”, sendo que podem haver diversas teorias de validade, com base nos diferentes tipos de critérios utilizados, sendo todos aceitáveis.[6]

A vigência da norma, por sua vez, tem relação com a sua “existência específica”[7]. Ele é “um termo com o qual se demarca o tempo de validade de uma norma[;] […] é a norma válida (pertencente ao ordenamento) cuja autoridade já pode ser considerada imunizada, sendo exigíveis os comportamentos prescritos”[8]. Assim, a norma será vigente quando puder ser exigida.

Isso implica dizer que pode haver norma que seja válida e não seja vigência, ou seja, não se pode exigir, como é o caso das normas no período da vacation legis. Neste momento, a norma já tem validade segundo os critérios estabelecidos, entretanto, não a autoridade competente não pode obrigar o seu cumprimento.

Por fim, a eficácia está relacionada com a produção de efeitos[9]. Com o “fato real de ela [a norma] ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos”[10].

A eficácia jurídica está relacionada, para Hans Kelsen, com a validade da norma, isso porque, a “eficácia é condição no sentido de que uma ordem jurídica como um todo e uma norma jurídica singular já não são consideradas como validas quando cessam de ser eficazes”. Assim, para que uma norma seja eficaz ela tem que ter validade, que é “a resposta à questão de saber por que devem as normas desta ordem jurídica ser observadas e aplicadas”[11].

A eficácia enquanto verificadora da produção dos efeitos da norma, tem relação com o modo com o a sociedade a observa, sendo denominada de eficácia social. Assim, ela é observada “quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos”[12]. Exemplo, a norma que estabeleceu a obrigatoriedade de aparelho de segurança em automóveis para criança (as cadeirinhas), que apesar de válida e vigência, por um tempo não teve eficácia em virtude da ausência dos mesmos para a venda, o que impedia que as pessoas pudesse adquirir os mesmos.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, neste ponto, distingue a eficácia social, ou a sua ausência, com existência de normas que são desobedecidas em virtude da possibilidade de causarem “tumulto social”, exemplificando com o estipulado no artigo 7º, IV, da CF/88, que estabelece as bases para o salário mínimo, que nunca foi obedecido. Ocorre assim o não sucesso da norma e a mesma passa a ser socialmente irrelevante.[13]

A eficácia jurídica tem relação com o fato de o Estado ter aparato jurídico para fazer a norma ser cumprida. Isto é, se os agentes estatais tem condições de fazer a norma ser exigida.

Desta forma, nos três planos de estudo da norma, verifica-se que a validade da norma tem relação com a adequação desta a critérios formais ou morais previamente estabelecidos, somente ingressando no ordenamento jurídico após a verificação destes. Uma vez válida, verifica-se a vigência da norma, ou seja, se a mesma pode ser exigida, se a autoridade já pode fazê-la cumprir. Tem relação com o tempo da norma, o tempo de exigibilidade da mesma.

E a eficácia jurídica tem relação com a aceitação e produção dos efeitos da norma, com a possibilidade de socialmente ela ser cumprida e de ter seus efeitos produzidos. Isso pode não ocorrer por dois motivos: impossibilidade material ou ausência de condições ou por desobediência a norma, quando a norma não tem sucesso, ou no popular, quando a norma “não pega”.

Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. SILVA, Virgílio Afonso da (trad.). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Validade das Normas Jurídicas. Acesso em: 04 fev. 2013.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. MACHADO, João Baptista (trad.). 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


[1] Neste sentido: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. MACHADO, João Baptista (trad.). 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 139.

[2] Ibidem, p. 07.

[3] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Validade das Normas Jurídicas.

[4] Ibidem, p. 07.

[5] Ibidem, eco. cit.

[6] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. SILVA, Virgílio Afonso da (trad.). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 60.

[7] KELSEN, op. cit., p. 07.

[8] FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 14.

[9] Ibidem, eco. cit..

[10] KELSEN, op. cit., p. 08.

[11] Ibidem, p. 148.

[12] FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 14

[13] FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 15-16.